Em outubro de 2008 a maioria dos agentes e analistas financeiros se convenceu de que a crise no setor de hipotecas imobiliárias subprime, iniciada no ano anterior nos Estados Unidos, se transformara em uma crise global que arrastava, além do setor financeiro, também o setor produtivo, especialmente dos países desenvolvidos, para o fundo do poço. Os mercados financeiros despencaram e as cotações das ações caíram em todas as Bolsas de Valores do mundo e as taxas de câmbio sofreram fortes oscilações, a maioria das moedas acusando um forte processo de desvalorização. Como sempre ocorre nestes momentos de pânico, o refúgio na “relíquia bárbara” – o ouro – fez com que a cotação deste metal se elevasse rapidamente. Os empréstimos interbancários cessaram, pois ninguém sabia até que ponto cada instituição financeira estava comprometida com a extraordinariamente elevada alavancagem financeira e era melhor deixar os recursos empoçados do que transferi-los como empréstimo para instituições que na manhã seguinte poderiam declarar falência. O credit crunch, isto é, a retração brusca do crédito, praticamente paralisou por um tempo as operações financeiras e as consequências fizeram-se sentir rapidamente na queda do ritmo da atividade econômica. Os governos injetaram trilhões de dólares em operações de salvamento de bancos comerciais e de investimento, de empresas de seguro, de fundos de investimento que se encontravam no limiar da quebra tentando evitar que um efeito dominó arrastasse toda a economia para a depressão. A Reserva Federal (FED) dos Estados Unidos, assustada com a perspectiva da repetição da crise de 1929, ultrapassou seus poderes distribuindo cerca de 800 bilhões de dólares em empréstimos a empresas em quebra e especialmente aos bancos que não conseguiam mais vender seus ativos tóxicos. Um dos titulares desta operação, o secretário do Tesouro americano, Henry Paulson, um ex-diretor do Goldman Sachs, foi obrigado a contrariar suas profundas convicções anti-intervencionistas e abrir os cofres públicos para o salvamento de companhias de seguros, governos estaduais e especialmente das grandes empresas montadoras dos Estados Unidos, como a General Motors. Todos também perceberam que as práticas, os instrumentos e os ativos financeiros, criados pelos bancos norte-americanos haviam se espalhado por toda a Europa. O galho no qual a grande maioria estava agarrada se rompera sem piedade. A Islândia foi o primeiro país a “falir”. Seus bancos, altamente comprometidos com os derivativos cuja base eram as hipotecas subprime dos Estados Unidos e sem poder saldar seus compromissos, simplesmente fecharam as portas e foram encampados pelo governo. Mas quais foram as causas de uma crise tão profunda em um momento em que as coisas pareciam ir tão bem para a economia mundial? Grande parte dos analistas atribui ao processo de desregulamentação dos mercados financeiros, que se intensifica durante o governo Reagan na década de 1980 e culmina com a eliminação do que restava do Glass- Steagall Act (que separava bancos de investimento de bancos comerciais), a causa mais importante da crise de 2008. O ato bancário de 1933, do qual o Glass-Steagall Act constituía uma das peças principais, impunha ao setor financeiro uma rígida disciplina, especialmente no que diz respeito ao risco dos investimentos. O trauma da crise de 1929, que resultara na quebra de milhares de bancos e na ruína de seus depositantes, levara o presidente Roosevelt a prometer em seu discurso de posse em 1933 que “haveria estrita supervisão e regulamentação do setor financeiro” e a “especulação com dinheiro alheio teria um fim”. Esta nova legislação, que deu estabilidade ao sistema financeiro nos Estados Unidos, começou a ser atacada pelos interesses de Wall Street. E, pouco a pouco, seus dispositivos mais restritivos foram sendo neutralizados até sua completa eliminação em 1999, decretada pelo então presidente da Reserva Federal, Alan Greenspan. Nesse ano, temendo a expansão da bolha financeira alimentada pela “exuberância irracional” das cotações das ações das empresas ponto com, o mesmo Greenspan havia elevado as taxas de juros e a prime rate aumentou, alcançando um máximo no ano seguinte, como pode ser visto pelos dados abaixo:
Prime Rate entre 1999/2006 1999 – 8,50
2000 – 9,50
2001 – 4,75
2002 – 4,25
2003 – 4,00
2004 – 5,25
2005 – 7,25
2006 – 8,25
2007 – 7,25
2008 – 3,25
2009 – 3,25
2010 – 3,25
Depois de ter alcançado um máximo de 9,50% no ano 2000 e provocado a desaceleração da economia norte-americana, ocorrem os atentados do 11 de setembro. O perigo de que a economia entrasse em recessão, pois os atentados apresentavam uma perspectiva pessimista para o futuro imediato, levou o governo a estimular o consumo, e a medida inescapável foi reduzir rápida e intensamente a taxa de juros a partir de 2001. A redução drástica da taxa de juros provocou um duplo efeito na economia: ao mesmo tempo que estimulava a demanda expandindo o consumo das famílias e a confiança dos consumidores (depois de 2001 nenhum outro atentado ocorreu nos Estados Unidos), os bancos saíram em busca de clientes que pagassem taxas de juros mais elevadas, pois as taxas pagas pelos melhores clientes situavam-se em níveis muito baixos. Estes clientes, os chamados subprime, eram aqueles que, por não apresentarem garantias tão boas quanto os clientes prime, estavam dispostos a pagar taxas mais elevadas, permitindo aos bancos maiores lucros. A expansão deste tipo de empréstimo era estimulada não apenas pela ausência de uma regulamentação que colocasse limites ao processo de alavancagem, isto é, a exposição ao risco, como também pelo fato de os diretores de bancos e demais organizações financeiras ganharem uma participação no volume de negócios contratados. Diretores de banco chegaram a ganhar mais de 300 milhões de dólares por ano. Alguns bancos, como o Lehmon Brothers, que quebrou em 2008, chegaram a ter um grau de alavancagem de 65 quando o Acordo da Basileia recomendava algo em torno de 10 a 12, isto é, cerca de 8% de ativos de capital como reserva para fazer frente a perdas inesperadas. Os consumidores encontraram do outro lado do balcão gerentes de bancos dispostos a financiar a juros baixos o principal bem patrimonial de qualquer família de qualquer país: uma residência. No entanto, como se trata de um ativo adquirido no longo prazo, o preço dos imóveis torna-se extremamente sensível a alterações nas taxas de juros. Além disso, praticaram um jogo perigoso: o jogo do refinanciamento. Financiavam a aquisição de outros bens (carros por exemplo) com a parte dos financiamentos de residências que já havia sido paga. Em outras palavras, as residências se transformavam em fonte de dinheiro para a compra de outros bens. Mas os carros, como esponjas, consumiam altas doses de combustíveis. Sua manutenção era bastante dispendiosa. A economia americana cresceu empurrada por este processo de endividamento em um momento no qual a maior parte dos países do mundo liderada pela China apresentava uma expansão robusta do PIB. Algumas estimativas mostram que em 2005 cerca de metade do crescimento do PIB americano deveu-se à atividade imobiliária. O preço das commodities (especialmente o petróleo) começou a se elevar, e essa expansão da demanda agregada global trouxe pressões inflacionárias que precisavam ser combatidas. A principal arma da Reserva Federal para o combate à inflação é a elevação da taxa de juros, e, de fato, a partir de 2004 ela começa a subir. Entre 2006 e 2007 já é mais do dobro dos níveis imediatamente posteriores aos atentados do 11 de setembro. As famílias subprime que haviam assinado contratos de financiamento a juros flutuantes e que já estavam em dificuldades para encher o tanque de gasolina de seus carros não tinham mais condições de pagar suas hipotecas: os juros haviam dobrado e, em alguns casos, triplicado. Da mesma maneira que o preço das residências subiam intensamente no momento da onda expansiva dos financiamentos, na fase de queda estes preços despencaram, provocando um problema angustiante para estas famílias: a residência valia menos do que ainda restava a pagar pela hipoteca. Isto significava que as famílias perdiam as casas (muitas foram morar nos carros que ainda não tinham sido devolvidos) e ainda continuavam com dívidas. Do lado dos bancos e entidades financeiras que haviam concedido estes créditos, a inadimplência de seus devedores provocou uma onda de quebras e falências mitigadas pelas intervenções de salvamento providenciadas pelo governo depois que a quebra do Lehmon Brothers provocou o pânico no mercado financeiro ameaçando com uma quebradeira geral no sistema. Mas em pouco tempo descobriu-se que os contratos de hipotecas subprime haviam sido revendidos ou servido de valor subjacente para a criação de derivativos, num sistema complexo o suficiente para que ninguém mais soubesse na verdade o que estava comprando e onde se encontrava o devedor original de um título do mercado financeiro. Em tempos normais seria difícil supor que bancos da distante e insuspeita Islândia estivessem profundamente comprometidos com estes ativos tóxicos emitidos por entidades financeiras norte-americanas. Mas estavam. Além disso, importantes agências de rating – vendo apenas a ponta do iceberg – atribuíam a estas emissões de títulos o grau de investimento ou as maiores classificações em seu ranking de risco. As intervenções dos governos para impedir que suas economias, além da recessão, mergulhassem na depressão, salvando empresas e ampliando seus gastos para impedir uma queda muito brusca da demanda efetiva, parecem ter alcançado este objetivo. No entanto, o aumento do déficit e da dívida pública levou muitos países a enfrentar sérias dificuldades para garantir o funcionamento de suas economias, e para alguns tornou-se inevitável recorrer a ajuda externa tanto de governos como de entidades internacionais como o FMI. Além da Islândia, os casos que mais se destacaram foram os da Irlanda e da Grécia. Mas o enfraquecimento de países como Portugal, Espanha, e até mesmo da Itália mostra que a fragilidade do sistema ainda pode causar surpresas desagradáveis no futuro. Mas no início de 2011 o pior da crise parece ter sido superado nos Estados Unidos, no Japão (embora o tsunami de março e a contaminação radioativa subsequente possam retardar a recuperação japonesa) e nas principais economias europeias. Nos Estados Unidos, algumas medidas como a aprovação da Lei Frank-Dodd buscam proporcionar ao governo maior controle sobre o mercado financeiro e promessas de uma fiscalização eficaz sobre este setor são dados positivos, mas ainda claramente insuficientes. No entanto, não há ainda no horizonte sinais claros de uma recuperação consistente. Os países chamados emergentes, especialmente aqueles que compõem os BRICs (Brasil, Rússia, Índia e China), atravessaram a crise de forma rápida em grande medida em função das medidas anticíclicas adotadas (no Brasil, redução de impostos, aumento real do salário mínimo e dos gastos do governo etc.). Este crescimento ajudou a impedir uma retração mais forte do mercado internacional que, pelo menos desta vez – ao contrário de 1929 – os principais países que o constituem não caíram na tentação de adotar medidas protecionistas. Mas, as consequências do salvamento das empresas e bancos na zona do euro com recursos públicos provocaram o crescimento do déficit e da dívida pública levando países como Grécia, Irlanda, Portugal, Espanha e Itália a sérias dificuldades econômicas e financeiras em 2011. O enfraquecimento da unidade monetária europeia e o debilitamento do euro significa que dificuldades crescentes em países como a Grécia obriguem ao abandono por parte de alguns deles da União Monetária.
Veja também – Agências de Rating; Alavancagem; Ato Bancário de 1933; BRICs; Efeito Greenspan; Glass Steagall Act; Grande Depressão; Moral Hazard; Prime Rate; Subprime.
Afinal, o que foi a crise de 2008?
O crédito fácil e a disseminação de um investimento “podre” pelo mundo todo estão na raiz da crise financeira de 2008.
Por volta de 1998, os bancos dos Estados Unidos começaram a emprestar dinheiro a muita gente que não tinha como pagar.
Mesmo quem estava desempregado e não tinha renda nem patrimônio conseguia ser aprovado pelo banco para receber um financiamento.
E poderia dar a própria casa como garantia para vários empréstimos.
Esse tipo de crédito era conhecido como “subprime” (de segunda linha). O volume de financiamentos desse tipo era gigantesco.
FONTE: https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2016/02/27/entenda-o-que-causou-a-crise-financeira-de-2008.htm
https://www.politize.com.br/crise-financeira-de-2008/
13) 2009 (queda de 2,9%)
A recessão de 2009 decorreu do colapso do mercado imobiliário dos Estados Unidos por causa da crise financeira de 2007-2008 e da crise das hipotecas subprime.
Como resultado, diversas empresas e bancos tiveram que ser resgatados por governos centrais em todo o mundo.
Segundo o FMI (Fundo Monetário Internacional), foi “o colapso econômico e financeiro mais grave desde a Grande Depressão dos anos 1930”.
No entanto, essa contração não foi sentida igualmente em todo o mundo. Se, por um lado, a maioria das economias desenvolvidas entrou em recessão, países emergentes, como o Brasil, sofreram um impacto proporcionalmente muito menor.
A título de comparação, em 2009, o PIB americano caiu 2,5% enquanto o brasileiro, 0,1%. No ano seguinte, o Brasil registrou um crescimento estrondoso, de 7,5%.
Naquela época, o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva chegou a descrever a crise como uma “marolinha” para o Brasil.
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Fontes de pesquisa e de referência
Para produzir esse conteúdo tivemos a ajuda dos seguintes autor(es) e publicações:
- As 14 recessões dos últimos 150 anos – e por que a do coronavírus deve ser a 4ª pior. G1, 1 jul 2020. Disponível em: <https://g1.globo.com/economia/noticia/2020/07/01/as-14-recessoes-dos-ultimos-150-anos-e-por-que-a-do-coronavirus-deve-ser-a-4a-pior.ghtml>. Acesso em 29 fev 2024.
Como citar esse artigo em seus trabalhos
Zollverein. In: Dificio – seu dicionário on-line de finanças, investimentos e contabilidade, 2021. Disponível em: <https://www.dificio.com.br/zollverein>. Acesso em: dia, mês e ano.