A primeira investida de Jevons contra as concepções vigentes sobre o valor datam de 1863. Neste ano, escreveu um artigo abordando a teoria de utilidade na economia denominado “Notice of a General Mathematical Theory of Political Economy”. Em 1866, essas ideias seriam consolidadas no artigo “Brief Account of a General Mathematical Theory of Political Economy”, o qual foi publicado no Journal of the Royal Statistical Society, XXIX. Nestes artigos suas concepções sobre a natureza do valor das mercadorias, se opunham abertamente à visão corrente da teoria econômica de sua época, ou seja que o valor era determinado pela quantidade de trabalho incorporado na produção das mercadorias como afirmavam economistas clássicos como Adam Smith, David Ricardo ou Stuart Mill. Esta contraposição às ideias dos clássicos é que permite chamar sua abordagem de revolucionária. Segundo a teoria clássica, o valor de uma mercadoria qualquer, ou como afirmava Smith “preço natural”, é composto por salários, lucro e renda da terra, que remuneram o trabalho, o capital e a terra envolvidos na produção. O preço natural de um bem difere daquele praticado no mercado, pois este varia em razão da escassez ou do excesso momentâneos de mercadorias. A interação entre oferta e demanda determina o preço de mercado, que pode diferir do preço natural apenas momentaneamente. No longo prazo, existindo concorrência entre produtores o preço de mercado tenderia a coincidir com o preço natural. A oposição de Stanley Jevons a essa concepção é frontal. Logo no primeiro parágrafo de sua Teoria da Economia Política (1871) declara que uma “reflexão detida” o tinha levado a crer que o valor depende inteiramente da utilidade. Embora as opiniões prevalecentes faziam do trabalho – em vez da utilidade – a origem do valor, Jevons afirmava que bastaria que se seguisse cuidadosamente as leis naturais de variação da utilidade para que se chegasse a uma teoria satisfatória da troca. A variação da utilidade dependeria da quantidade de mercadorias que cada um possuísse e as leis da oferta e da demanda seriam apenas uma conseqüência necessária. Uma nova teoria surgia, na qual a ação humana, condicionada a leis psicológicas que guiam as “leis naturais da variação da utilidade”, determinaria os preços e a relação de troca das mercadorias. A Expressão Matemática da Utilidade – A obra de Jevons também se diferenciou das concepções de seus antecessores também porque defendeu o uso da matemática na eleboração das leis que regem o funcionamento dos mercados, uma novidade na metodologia da Economia. Para ele “nossa ciência deve ser matemática simplesmente porque lida com quantidades”. Onde quer que os objetos tratados fossem passíveis de comparações tais como “ser maior” ou “ser menor”, as leis e relações deveriam ser matemáticas por natureza. As leis da oferta e da demanda tratariam inteiramente de quantidades de mercadorias demandadas e oferecidas e expressariam a maneira pela qual as quantidades variam em relação com os preços. Jevons propôs, seguindo Stuat Mill que a Economia fosse construída integralmente como um campo do conhecimento dedutivo. Nessa construção, as ideias deveriam seguir o processo de formulação de premissas sobre o comportamento humano e a dedução lógica das consequências desse comportamento. E o raciocínio de quem formula a teoria deveria seguir as leis e princípios da inferência dedutiva. Como um ramo das Ciências Sociais o método lógico da economia seria “dedutivo físico ou concreto” como o denominava Stuart Mill. O ponto de partida seriam algumas leis psicológicas óbvias, – como, por exemplo, que um ganho maior é preferível a um menor – e daí em diante poder-se-ia inferir os fenômenos produzidos na sociedade por tais leis. O valor e os sentimentos superiores e inferiores – A visão de Stanley Jevons sobre a natureza humana foi fortemente influenciada pela obra de Jeremy Bentham (1748-1832), filósofo inglês teórico do utilitarismo, segundo o qual os “sentimentos” guiam a ação humana em todas suas dimensões. A perspectiva da teoria econômica de Jevons via as leis do comportamento da demanda e da oferta como consequências lógicas, dedutíveis de leis psicológicas óbvias que relacionavam sentimentos a ações: “o objeto da economia é a maximização da felicidade por meio da aquisição do prazer, equivalente ao menor custo em termos do sofrimento”. Para ele, a ciência econômica deveria analisar os atos de consumo e de investimento, por exemplo, como resultado de um cálculo racional, guiado pela lógica, pela razão. Antes de agir, os agentes tomam decisões que antecipam os sentimentos associados à sua ação. Por isso, os homens são seres sentimentais, cujas ações são guiadas pelos sentimentos de sofrimento e prazer, como propunha Bentham. Se os mestres soberanos (sofrimento e prazer) de Bentham governam tudo o que o homem faz, são eles que dirigem a ação humana no campo econômico: o consumo, a produção, o investimento etc. É sobre esse princípio que Jevons construiu sua teoria da utilidade e transcreveu os princípios do utilitarismo para a Economia. Mas, o homem está sempre sujeito a prazeres e sofrimentos (simples) físicos originados de seus desejos e necessidades corporais. Mas também é capaz de sentimentos espirituais e morais de vários graus de grandeza. Um impulso superior pode perfeitamente prevalecer sobre sentimentos de inferior grau de grandeza. Mas isso não significa que impulsos menores não possam ser comparados entre si. Por exemplo, é propensão natural do homem, obter alimentos necessários à sua vida e tudo o mais que melhor satisfizer seus “próprios e moderados desejos”. À Economia caberia estudar os sentimentos de hierarquia de grau inferior, aqueles que orientam a ação humana na busca de bens materiais para a reprodução de sua vida social – comida, moradia, vestuário etc. – que garantem a subsistência e, eventualmente, promovem o enriquecimento. Esse estudo, no entanto, deveria estar restrito aos sentimentos inferiores para os quais não há questões morais, de hierarquia superior, que proíbam a ação humana. O comportamento imoral – a obtenção ilícita de bens materiais, por exemplo – não poderia ser justificada pela busca da felicidade por meio da aquisição do prazer, equivalente ao menor custo em termos do sofrimento, uma vez que ela fere sentimentos morais superiores. A luta entre o sofrimento e o prazer – O consumidor, o trabalhador, o empresário são vistos, na obra de Jevons, como homens que tomam decisões orientados por seus sentimentos de sofrimento e prazer. Suas necessidades e desejos, de um lado, e suas possibilidades, de outro, governam suas ações. E a governança dessas “emoções” leva em conta leis psicológicas simples que dão lógica à decisão e, portanto, à ação. A máquina humana de cálculo do sofrimento e do prazer segue princípios básicos que avaliam a “quantidade” de um e outro e estabelecem comparações entre cursos de ação alternativos com base em suas quantidades de sentimentos. A quantidade de sentimento, conforme já formulado por Bentham, varia conforme quatro dimensões distintas. Primeiro, a intensidade do sentimento, que pode ser maior ou menor. Depois, dois sentimentos podem diferir entre si em termos de duração. Em terceiro, há a proximidade (ou longinquidade) do sentimento. E, por fim, há a certeza (ou incerteza) associada ao sentimento. Para Jevons, duração e intensidade se fundem numa única dimensão, permitindo a comparação de sentimentos associados a durações e intensidades distintas. Para ele um sentimento esta associado à duração: todo sentimento deve durar algum tempo e pode durar um tempo maior ou menor. Enquanto durar, pode ser mais ou menos agudo e intenso. Se em dois casos a duração do sentimento for a mesma, aquele caso que for mais intenso produzirá a maior quantidade de sentimento. Ou se a duração for a mesma, a quantidade será proporcional à intensidade. Por outro lado, se a intensidade de um sentimento permanecer constante, a quantidade de sentimento aumentará com sua duração. Dois dias de felicidade representam o dobro daquela correspondente a um dia. Dois dias de sofrimento devem ser o dobro daquele amargado em um dia. Se a intensidade continuasse sempre fixa, a quantidade total seria encontrada multiplicando o número de unidades de intensidade pelo número de unidades de duração. Prazer e sofrimento são, portanto, quantidades que possuem duas dimensões, assim, como “as superfícies possuem as duas dimensões, de comprimento e largura”. Em geral, e nos sentimentos associados ao consumo em particular, a intensidade do prazer (ou do sofrimento), diminuem conforme passa o tempo. Ou ainda, conforme duram, tornam-se menos intensos. Esse processo “matemático” de perda de intensidade ao longo da duração é ilustrado na Figura 1. Assim, o valor ou quantidade do sentimento seria calculado pela soma das áreas dos retângulos que compõem o gráfico cartesiano de intensidade x duração.
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Jevons admitia ser implausível a ideia de que a mudança de intensidade ocorra de forma discreta e propôs uma forma matemática mais concreta, semelhante àquela verificada com as notas emitidas por instrumentos musicais. Esse raciocínio, ilustrado na Figura 2, é uma primeira importação de conceitos da Física para a Economia que lhe permitiu a proposição de uma solução matemática, o cálculo infinitesimal, para o problema de mensuração dos sentimentos. A mudança de intensidade do sentimento entre dois momentos do tempo muito próximos, cuja distância é minúscula, permite o cálculo das variações de sentimento com erro desprezível, seguindo o raciocínio do cociente de Newton empregado na Física e do limite, aplicado ao cálculo de derivadas e integrais. A segunda importação de conceitos da Física para a Economia é a ideia de forças opostas que se contrapõem. Jevons definiu o sofrimento como o negativo do prazer. Dessa forma, no cálculo subjetivo, qualquer que seja o sentimento, eles são ponderados através de um sinal positivo e outro negativo, de modo que o sentimento resultante de uma ação é o balanço entre sofrimento e prazer. A álgebra utilizada pela Física para calcular a soma de dois vetores que se contrapõem foi proposta como solução no cálculo dos sentimentos opostos. A decisão antecede a ação e, por esse motivo, ela é tomada levando em conta a antecipação dos sentimentos esperados. Nesse ponto, as duas outras dimensões, proximidade e certeza, assumem seu papel. Quando se trata de uma ação a respeito de algo que está próximo no tempo – logo mais, amanhã – a percepção do sentimento é maior do que aquela associada a decisões a respeito de algo que está distante no tempo – o ano que vem, nos próximos dez anos. É esse princípio que explica o comportamento de “deixar para amanhã o sofrimento de hoje”: quando se sabe que o sofrimento não aumenta com o tempo, o sentimento de sofrer hoje é seguramente maior que o sentimento antecipado do sofrer amanhã. Assim, se os sentimentos podem ser comparados ao longo do tempo, é possível que a decisão leve em consideração, em alguma medida, as consequências futuras dos atos. Um excessivo consumo no presente, sem a reserva de recursos para o futuro, implica o aumento da restrição no futuro. A fábula da cigarra e da formiga, usualmente empregada para justificar o comportamento de poupança das famílias, revela a formiga como a personagem que, ao antecipar o rigor do inverno próximo, reserva alimentos para os dias difíceis. Jevons enfatizou que a capacidade de antecipação é de grande influência na Economia, uma vez que é sobre ela que se baseia toda a acumulação de estoques de bens a serem consumidos, num tempo futuro. Os mais previdentes são os que mais trabalham pelo futuro. Feliz é aquele homem que, mesmo de baixa condição, sempre deseja mais do que tem e sente que cada momento de labuta tende à realização de suas aspirações. Ao contrário, aquele que procura o desfrute do momento fugaz, sem considerar os tempos vindouros, descobrirá, cedo ou tarde, que “sua cota de prazer está a míngua e que começa a faltar-lhe até mesmo a esperança”. A Utilidade como Única Medida do Valor – Na teoria de Jevons, é a utilidade de um bem para um indivíduo que o leva a trocá-lo por outra mercadoria de utilidade maior. Aí reside outro ponto de confronto de sua teoria com a dos economistas clássicos. Para Jevons, as mercadorias têm utilidade para quem as consome. Assim, as trocas são comandadas pelas necessidades e desejos dos consumidores que, para ter em mãos a mercadoria necessária ou desejada, dão em pagamento dinheiro. Para quem produz, os bens trazem o benefício de serem trocados por dinheiro ou por outras mercadorias. Na concepção de Jevons, a utilidade não é uma qualidade intrínseca das mercadorias, mas sim uma qualidade definida pelas circunstâncias associadas ao consumo. Bens que não estão nas prateleiras, não tem utilidade, pois não podem ser consumidos ou empregados na produção de outras mercadorias. Para ter utilidade, a mercadoria deve se prestar ao consumo. Nesse sentido, não se pode dizer de forma absoluta que determinados objetos têm utilidade e outros não. Como diz Stanley Jevons “o minério no fundo da mina, o diamante oculto ao olhar do explorador, o trigo não ceifado, a fruta que não se colhe por falta de consumidores, não possuem nenhuma utilidade. As variedades de alimento mais completas e necessárias são inúteis se não houver mãos que as coletem e pessoas que os consumam”. Outro aspecto fundamental de sua teoria, e que fornece o princípio básico da troca, é que a utilidade não é a mesma em todas as quantidades consumidas de uma mercadoria. Há no comportamento humano de consumo uma regra que faz a utilidade do consumo diminuir conforme aumentam as quantidades consumidas. Esse princípio geral chamado lei da saciedade, diz que, conforme cresce o consumo de uma mercadoria, a utilidade das novas unidades consumidas diminui. A utilidade de uma mercadoria para um indivíduo depende da quantidade que ele já dispõe e consome da mesma. O princípio geral que rege a determinação de utilidade estabelece que, dado certo nível de utilidade obtido com o consumo de certa quantidade de uma mercadoria: (i) o prazer percebido com uma unidade adicional de mercadoria é sempre positivo; e (ii) o prazer percebido com uma unidade adicional de mercadoria é menor do que o anteriormente obtido. Novamente, o recurso ao uso do cálculo diferencial aparece como solução para o tratamento matemático da teoria da utilidade. Se a utilidade de um bem puder ser vista como variando de forma contínua conforme mudam as quantidades consumidas, o uso de variações minúsculas, evita o erro de medida e torna possível o cálculo bastante preciso da variação da utilidade. Em termos matemáticos, essa variação é a derivada da utilidade em relação à quantidade consumida da mercadoria, chamada posteriormente de “utilidade marginal”. A despeito de a utilidade marginal se reduzir com o aumento do consumo de uma mercadoria, em razão do aumento do grau de saciedade do consumidor, o mesmo fenômeno não se verifica com o conjunto das mercadorias. Satisfeita a necessidade por um bem essencial a sua subsistência, o consumidor redireciona seu foco e busca satisfazer seu consumo de bens mais nobres. Não há, nesse sentido, limites subjetivos para a aquisição de utilidade: o prazer sempre pode aumentar e o sofrimento diminuir. Os limites à aquisição de prazer são dados pela renda do consumidor, pelo orçamento que limita o que ele pode adquirir de bens para saciar suas necessidades e desejos. Consumindo e trocando – O comportamento econômico dos homens é orientado pela busca da maior porção de prazer possível de ser adquirida com o menor esforço ou sofrimento. Mas a renda das famílias não permite que sejam compradas as quantidades desejadas sem limites. Há, portanto, uma oposição de forças: a vontade, que sempre quer mais, e a renda, que restringe o que pode ser adquirido. A contraposição das duas forças (o prazer e o sofrimento) revela qual a combinação de mercadoria deve ser adquirida para que o maior nível de utilidade seja obtido. Por trás da decisão dos consumidores, Stanley Jevons, vislumbrou um padrão interessante. Como a utilidade marginal (ou grau de utilidade, como ele chama) do consumo de uma mercadoria diminui conforme aumenta a quantidade consumida desse bem, seria vantajoso evitar a especialização absoluta do consumo em uma única mercadoria. Se o consumidor colocasse toda a sua renda em uma única mercadoria, ele chegaria a uma situação estranha: se ele trocasse uma quantidade pequena dessa mercadoria por uma quantidade também pequena de outra mercadoria, o nível de utilidade se elevaria. Isso porque a utilidade marginal da mercadoria que ele dispõe em grande quantidade é menor que a utilidade marginal da mercadoria que ele dispõe em pequena ou nenhuma quantidade. Ao trocar uma mercadoria pela outra, o consumidor subtrai da utilidade total a utilidade marginal da mercadoria “abundante” e soma a utilidade marginal da mercadoria “escassa”. Como essa última é maior que a primeira, a troca aumenta sua utilidade total; a troca é, portanto, vantajosa. Daí um princípio básico que orienta as decisões dos consumidores: a diversificação é sempre vantajosa. O consumidor estabelece trocas até o ponto em que abrir mão de uma unidade da mercadoria leva a um sofrimento (desprazer) de igual magnitude que o prazer obtido com a unidade adicional da outra mercadoria. A própria limitação da renda impõe que as famílias resolvam seus dilemas. Se toda a renda for gasta na aquisição de uma única mercadoria, não haverá o que gastar em outras. A solução matemática para esse problema é relativamente simples: é um procedimento de seleção entre diferentes oportunidades, sujeito à restrição da renda. Entre todas as possibilidades de consumo vislumbradas pelo consumidor, dados seus hábitos, necessidades e desejos, uma família deve escolher a combinação de mercadorias que ao mesmo tempo: (i) gere uma despesa compatível com sua renda; e (ii) leve ao maior nível possível de prazer, isto é, à maior utilidade. Veja também Escola Clássica; Jevons, Stanley; Lei da Saciedade.